BPM Social
Por Gart Capote – 14 de setembro de 2010
Caro leitor, para facilitar a compreensão da mensagem deste texto, é importante que você entenda o seguinte conceito:
BPM - Business Process Management ou Gerenciamento de Processos de Negócio
É uma abordagem disciplinar para identificar, desenhar, executar, documentar, medir, monitorar, controlar e melhorar processos de negócio, automatizados ou não, para alcançar resultados consistentes e alinhados com os objetivos estratégicos da organização.
Gostaria de começar fazendo duas perguntas:
1- Você está satisfeito com os serviços que o governo provê para os cidadãos?
2- Você sabe como BPM pode ser útil na melhoria da administração e realização dos serviços públicos?
Se você respondeu NÃO para a primeira pergunta, parabéns! Você é um cidadão ciente da péssima qualidade que temos na maioria dos serviços públicos que são prestados em nosso país.
Se você também respondeu NÃO para a segunda pergunta, infelizmente, você possui as mesmas dúvidas que a maior parte das pessoas envolvidas com o tema Gestão Pública.
Não me entenda errado. Isso não é um texto político – Longe disso. Esta é apenas uma explanação responsável sobre nossas deficiências enquanto estado e como profissionais responsáveis pela administração pública.
Bom, vou explicar porque estou escrevendo sobre isso.
Tenho recebido muitos questionamentos sobre a aplicação prática e real de BPM nos Órgãos Públicos, e por mais incrível que possa parecer, mais de 90% dos questionamentos são feitos por profissionais extremamente capacitados e envolvidos com a administração e prestação de serviços públicos essenciais - em suas mais diversas esferas de poder.
Fico bastante preocupado ao perceber que, mesmo após quase 08 anos de existência do conceito de BPM no mundo, e praticamente 06 anos de iniciativas e projetos em Empresas privadas no Brasil, ainda estamos engatinhando na sua aplicação real nas instituições públicas.
Para todos entenderem o efeito da ausência de BPM nos órgão públicos brasileiros, vou apresentar um estudo de caso onde, infelizmente, Eu e minha esposa somos as vítimas diretas.
A propósito, este também será um saudável desabafo virtual e público. Espero que entendam a mensagem.
O Caso é assim...
Em dezembro de 2009, Eu e minha esposa vendemos nosso apartamento, Eu vendi o meu carro, sacamos o pouco que tínhamos guardado na conta poupança, e compramos uma casa.
Depois de 11 anos juntos, com muitos sacrifícios diários, viagens a trabalho, mudanças de cidade e estados, e todas as dificuldades naturais de um casal de origem simples e que se uniu sem ter qualquer bem material, finalmente estávamos conseguindo realizar nosso sonho de ter uma casa com um pequeno quintal, onde pudéssemos criar nossos cachorros, e claro, finalmente ter um filho.
Era a realização de um sonho, e por mais simples e trivial que possa parecer, esse era o nosso sonho.
Feita a compra, nos mudamos para a casa na sexta-feira antes do carnaval de 2010 e fomos reorganizando nossa vida em torno dessa tão desejada realidade. Eram dias de muito trabalho, finais de semana dedicados a montagens, obras, limpezas, etc. Mas, fazíamos tudo com muito carinho e felicidade.
Com menos de dois meses morando em nossa nova casa, o Rio de Janeiro é golpeado por fortes chuvas, provocando inundações e deslizamentos de terra que se iniciaram no dia 05 de Abril de 2010.
No dia 06 de abril nossa casa foi atingida por um gigantesco volume de terra e lama, destruindo suas paredes, invadindo seus cômodos, soterrando e destruindo tudo que tínhamos conquistado com o nosso trabalho.
Além dos móveis, eletrodomésticos, eletrônicos e outros pertences, os nossos diplomas, documentos e objetos de valor sentimental também sumiram dentro da montanha de lama e escombros que se tornou o nosso lar.
Particularmente, o que mais me chateou naquele momento foi saber que os objetos guardados com tanto cuidado, e que eram lembranças do meu falecido Pai, as fotos, cartas, tudo estava perdido.
Naquele dia 06 de Abril, Eu e minha querida Esposa, acabávamos de nos tornar vítimas.
Vítimas da incapacidade do estado. Vítimas da incompetência administrativa. Vítimas da morosidade sórdida dos órgãos (in) competentes do nosso país.
Você acha que fomos vítimas das fortes chuvas?
Mostrarei que não logo a seguir.
Ao comprar o imóvel, pagamos uma série de taxas e impostos. Essas taxas e impostos têm objetivos sociais.
Pagamos ITBI, imposto sobre propriedade, taxa de incêndio, etc.. Fomos vasculhados e vasculhamos os imóveis e seus donos, possíveis débitos, e claro, ainda precisamos da intermediação de cartórios e órgãos públicos com suas certidões negativas e seus selos exorbitantemente caros.
Tudo isso é feito para você adquirir um bem imóvel com a certeza de que não terá problemas legais, fiscais e pessoais. Tudo isso foi feito.
Sendo assim, nós estávamos tranqüilos sobre a aquisição do imóvel.
Tínhamos certeza de que tudo estava conforme deve estar.
Qual a relação disso tudo com o deslizamento de terra que soterrou e destruiu nossa casa?
Esta casa, por apenas dois meses de distância do desditoso evento, entraria na contabilização de mais duas mortes nas estatísticas do governo sobre a tragédia carioca, pois as duas filhas da antiga proprietária teriam morrido (os quartos das meninas foram completamente destruídos e soterrados).
A relação do governo, e de seus órgãos competentes, com o fato ocorrido é bastante simples:
Não houve qualquer ação efetiva do estado para impedir que isso acontecesse.
Nossa casa foi destruída por lama e terra provenientes de um terreno que foi ilegalmente escavado logo acima do nosso! Pior ainda. O governo já sabia do problema, mas nada fez.
Explico:
Quando nos mudamos em fevereiro, reparamos que o terreno acima do nosso estava sem as árvores originalmente existentes, e que uma grande, íngreme e tortuosa rua estava sendo “construída” no local. Tudo sem qualquer sinal de contenção, regularidade ou autorização.
Aproximadamente 30 dias antes do desastre, procurei a GEO-RIO (Órgão responsável pela monitoria de encostas, montanhas e áreas de risco). Na época recebi uma ligação do Presidente da Geo-Rio que me disse que um engenheiro iria até minha casa para entender e verificar o problema.
Quando o engenheiro foi até minha casa, e Eu mostrei o terreno acima do meu, fui informado de que o proprietário do imóvel realizou escavações irregulares durante os últimos DEZ ANOS (10 Anos) e possui 09 Processos da GEO-RIO (ações) contra ele.
Pergunto:
· Como é que, em 10 anos (DEZ ANOS), nada foi feito para impedir a continuidade das escavações irregulares?
· Como é possível que, o órgão responsável por monitorar e aferir a segurança das áreas de encosta e risco, não tenha se pronunciado, nos avisado, impedido a escavação, a compra do terreno... QUALQUER COISA!
A GEO-RIO apenas nos disse que o proprietário havia sido notificado dos embargos, e que o advogado do mesmo, continua recorrendo. Pronto.
Resultado:
O terreno do irresponsável proprietário, devido à saturação causada pelas fortes chuvas do período, se liquefez e deslizou até encontrar a minha casa no caminho.
O irresponsável proprietário do terreno continua no local.
O terreno está cada vez mais destruído e cedendo.
A GEO-RIO continua fazendo nada.
A Prefeitura continua fazendo nada.
Nenhum outro órgão público se manifestou.
...Nós não temos mais uma casa para morar.
Dito tudo isso, e pelo prisma do gerenciamento de processos de negócio, eu pergunto:
Por que minha casa foi destruída?
Resposta:
O problema é a total miopia administrativo-processual que existe na gestão pública brasileira.
Não vou considerar qualquer possibilidade de existência de desvio de dinheiro público, superfaturamento, ou corrupção. Acredito piamente em nossos profissionais, e tenho certeza que o problema é administrativo, e não um problema policial.
Os governos, os órgãos públicos e os seus administradores não enxergam os serviços públicos para os contribuintes e cidadãos. Não como deveriam. Não como nós precisamos;
Se houvesse um mínimo de gestão dos processos que controlam as aquisições de bens imóveis, dos processos que controlam as autorizações de construções, dos processos que controlam o andamento das ações jurídicas e suas aplicações, muito provavelmente, nesse momento, Eu, minha Esposa (Grávida de 20 semanas), e meus cachorros estaríamos morando em nossa casa.
Um cidadão precisa de serviços do seu governo.
O governo deve; elaborar, implantar, realizar, gerir e prestar contas sobre a realização dos serviços.
É impossível ter serviços de qualidade, e que não permitem esse tipo de erro, sem ter uma visão completa dos processos primários do governo.
Conclusão:
Se você é funcionário/ administrador público, político, ou qualquer outro elemento envolvido no funcionamento da máquina pública, eu tenho um recado para você:
- Procure uma atualização profissional e aprenda sobre gerenciamento de processos de negócio.
- Não aceite a descrição de sua função como ela foi feita. Isso é antigo, obsoleto e não é suficiente.
- Esqueça esse conceito arcaico de que você é dono desta vaga. Você deve entender e trabalhar para melhorar a vida do cidadão.
- Se você não estiver completamente envolvido na missão de fazer o Brasil um país mais digno e cada vez melhor para se viver, peça exoneração do seu cargo e vá embora.
- Não precisamos de funcionários omissos e submissos.
Você só ajudará a prover melhores serviços aos cidadãos, e mudar a realidade diária desse povo, quando pensar nos processos que realizam, controlam, e suportam esses serviços.
Enquanto você ficar sentado olhando para o seu expediente na “repartição”, você não contribuirá para a melhoria do nosso país. Pense no próximo.
A falência dos serviços públicos é apenas um sintoma.
A má administração pública gerada pelo total desconhecimento e descontrole dos seus processos é uma das causas-raiz desse problema. Você tem dúvidas disso?
Lembre-se: Não estou considerando problemas relacionados à corrupção e mau-caratismo.
Portanto, e para encerrar essa suave catarse, faço aqui uma convocação.
Você: Estudante, profissional recém-formado, profissional experiente, executivo, acadêmico, você que age diariamente nos processos que formam esse grandioso país – Pense no seguinte:
- Não aceite mais as coisas como elas são.
- Não existe qualquer obrigação em se manter o que não está certo, o que não funciona bem.
- Não faça mais o que você sabe que está errado.
- Não aceite qualquer coisa.
- Não seja omisso.
- As nossas ações devem refletir as nossas prioridades e conceitos.
A mudança de um país não é feita por seus representantes no poder.
A verdadeira mudança acontece diariamente nas atitudes de seu povo.
Vamos mudar tudo?
5 comentários:
Gart, parabéns pela franqueza e clareza do seu texto.
Você vai direto ao ponto em que as instituições públicas deveriam focar: prover melhores serviços aos cidadãos.
Já há exemplos mundo afora que mostram que é possível aprimorar processos na administração pública, e que isso está sim ao nosso alcance.
O caminho está claro, basta que nós optemos por segui-lo.
Gart, o assunto é de extrema importância e requer ações imediatas.
Também passei por uma experiência, onde precisei de atendimento público na área da saúde e a situação é realmente caótica.
BPM no social faz uma grande falta. Quem sabe podemos dar um foco maior neste tema e oferecer nossos serviços? Abraços Adriana
Gart, o assunto é de extrema importância e requer ações imediatas.
Também passei por uma experiência, onde precisei de atendimento público na área da saúde e a situação é realmente caótica.
BPM no social faz uma grande falta. Quem sabe podemos dar um foco maior neste tema e oferecer nossos serviços? Abraços Adriana
Muito bom. As minhas desesperanças as esses modelos arcaicos, desregulado e desonestos de gestão pública e a minha esperança em uma ferramenta como Gestão de Processos e das pessoas de caráter. São esses novos modelos de pessoas e processos que animam qualquer profissional na área de BPM.
Olá Miguel,
Muito obrigado pelo comentário.
Espero um dia escrever que tudo foi resolvido, mas ainda não é o caso. Estamos nos aproximando de 12 meses desde o ocorrido, e nada mudou...
Vamos em frente!
Abraços
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